Eu vivo em uma época que o macho
luta pela sobrevivência de seus antepassados e não por sua própria sobrevivência. Vivo
numa mistura louca e incansável das décadas de 60, 70, 80 e 90. Todo mundo
anda, mas ninguém sabe aonde vai. As coisas já eram confusas antes, agora isso
é só um apelido. Os adultos não se encaixam nas novas posturas sociais, os
jovens criticam o mundo como aquele velho rabugento do apartamento X, as
crianças, em sua maioria, vivem cercadas de campos eletromagnéticos e tem a
absoluta certeza de que o bom velinho é um pedófilo que só quer se aproveitar
do seu pequeno corpinho.
Eu não sei onde eu vivo. Eu
sei que hoje não é presente.
Ando pela rua tentando fugir da
velocidade sufocante dessa porra de cidade. Na maioria das vezes acabo pisoteado
por pessoas fantasiadas de testemunhas de Jeová. Sempre me perguntei o que será
que eles viram de tão grave para se prenderem em cintos e gravatas. Caminho e
sou atropelado por carros, motos, pessoas, velhas, bebês, pássaros-ratos.
Sufoco.
A bondade foi precificada em
dízimos.
Esse texto parece o anseio de uma
fuga, uma reinversão de valores e então gritar fujam para as montanhas me
parece algo sensato. Respiro com dificuldade. Caralho. Até para respirar bem eu
tenho que pagar. Minha indignação é sufocada por ruídos, ruídos reverberados
pelas estruturas com mais de três andares, estruturas que deceparam visão da
cidade, visão que falta a todos.
Quem foi que botou a chuva nos meus olhos?
Não é de hoje que pais de família
vão para rua em busca de uma rola imensa, em busca de um travesti ativo, em
busca de uma prostituta altiva, em busca de um copo de pinga. Em busca de algo
que em algum lugar, escrito há milênios atrás, reescrito por milhares de
pessoas, reinventado de acordo com os mais diversos interesses. Algo que é
proibido, que é doce, que é quente e que desce com dificuldade pela garganta.
Proparoxítona Cinco silabas Desilusão.
*Texto escrito após a leitura do primeiro parágrafo de um
livro e ao som de um dos álbuns da banda Best Coast.
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